Consumir com respeito pela proximidade geográfica foi uma das chamadas de atenção que a pandemia nos trouxe. E ainda bem. Os benefícios - ambientais e sociais – são muitos.

Comprar local: muito mais do que uma moda

Se olharmos para a forma como cada um de nós consumiu durante a pandemia, é quase certo que rapidamente chegamos à conclusão que as lojas de proximidade foram as eleitas, assim como os produtos produzidos localmente, como forma de apoiarmos os pequenos comerciantes durante a crise que se vivia.

Esta nossa perceção é facilmente confirmada por inúmeras pesquisas levadas a cabo, entretanto, como um estudo da Mastercard, realizado em setembro de 2020, segundo o qual, 82% dos portugueses tinham a intenção de fazer as suas compras no comércio local. Entre as razões apontadas pelos inquiridos para tal, encontravam-se algumas vantagens, como o facto de as filas serem menores que nos supermercados (51%), a ausência de deslocações (50%) ou a conveniência (49%).

Mas a verdade é que comprar local vinha já a revelar-se uma das tendências de consumo dos últimos anos, ainda antes de se ouvir falar em coronavírus. Por exemplo, logo no início de 2019, o Barómetro Europeu do Observador Cetelem, naquele ano dedicado ao tema “Pensar Local, Agir Local”, revelava que 53% dos consumidores portugueses consideravam já como prioritário o incentivo à aquisição de produtos locais. Nesse mesmo ano, vários outros relatórios sobre tendências globais de consumo, como o realizado pela Euromonitor International, uma empresa de pesquisa de mercados globais, apontavam também o consumo consciente e a preocupação com o meio ambiente como temas principais na mente dos consumidores. A sustentabilidade volta a estar em foco no relatório de 2020 da mesma empresa e a conveniência foi um dos temas destacados na edição de 2021.

O que é comprar local?

Comprar local não é mais do que optar pela aquisição de bens produzidos perto do sítio onde nos encontramos, de preferência diretamente ao produtor ou em negócios geridos por pequenos empresários, como as mercearias de bairro.

O interessante é que aquilo que é agora visto como uma tendência já foi a norma das nossas vidas. Ou, pelo menos, da vida dos nossos bisavós. Até há algumas gerações atrás, não havia sequer a expressão “comprar local”, porque todo o consumo era estruturado em função da proximidade geográfica.

Os vegetais eram cultivados nas hortas de cada um para consumo próprio e os excedentes vendidos, oferecidos ou trocados. As roupas eram confecionadas por medida (muitas vezes, em casa) ou adquiridas nas lojas das vilas ou cidades mais próximas e o mesmo raciocínio era aplicado a todos os produtos de que se necessitava para viver: produção própria, aquisição por troca direta (troco as minhas maçãs pelos teus ovos) ou compra no comércio local, que muitas vezes não era mais do que o mercado semanal ou a loja que vendia de tudo um pouco, desde botões a alfaias agrícolas.

Mas o tempo mudou e o mercado globalizado impôs-se, de tal forma que se tornou mais barato comprar bananas oriundas da Costa Rica que as produzidas aqui mesmo no nosso país, na ilha da Madeira, a título de exemplo. E se a possibilidade de comprar o que se quiser, independentemente do lugar, exerce uma forte atração em todos, não é menos verdade que traz consigo profundas consequências ambientais e sociais.

Porquê comprar local?

Embora seja difícil enunciar todas de uma só vez, a verdade é que são inúmeras as vantagens de se comprar localmente.

Protege o ambiente

De cada vez que escolhemos um produto tendo como critério a proximidade geográfica da sua origem, estamos a optar por um artigo com uma pegada ecológica menor, já que, para chegar às nossas mãos, terá percorrido uma distância bem menor do que se tivesse vindo do outro lado do mundo. Isto significa não só uma redução na emissão de gases com efeito de estufa no transporte e (quando necessário) na refrigeração, como também menos embalagens de plástico e de outros materiais não biodegradáveis, pois as distâncias a percorrer são curtas e a necessidade de um acondicionamento resistente é menor.

Estimula a biodiversidade

As produções agrícolas locais, geralmente de menores dimensões, tendem a preservar a diversidade genética das espécies cultivadas, o que promove a biodiversidade dos ecossistemas. Além disso, estes pequenos produtores geralmente fazem um uso mais consciente da água, mantêm práticas que requerem menos carbono e usam menos plástico que os grandes agricultores.

É mais saudável

Quando se trata de praticar uma alimentação saudável, é importante dar prioridade a alimentos frescos e pouco ou nada processados. Consegui-lo é mais fácil optando por comprar local, porque a sazonalidade é respeitada e há menor recurso a pesticidas. Sabe-se que os alimentos produzidos na sua época são habitualmente mais frescos, ricos em sabor e nutritivos, precisamente porque não percorrem distâncias tão longas e tendem a amadurecer na planta ou árvore até estarem no ponto para serem colhidos.

Além disso, quando compramos localmente é muito provável que nos desloquemos a pé ou de bicicleta, o que é incomparavelmente mais saudável – e sustentável – do que ir de carro a uma grande superfície.

Contribui para a economia

Comprar local significa também apoiar empresas que pagam impostos localmente, que se abastecem de outras empresas locais e que criam empregos na proximidade, numa espiral positiva que contribui para o desenvolvimento económico da comunidade como um todo.

Apoia a comunidade

Ao dar preferência ao que é produzido nas proximidades – ou vendido localmente – estamos a apoiar a comunidade em que estamos inseridos. Desta forma, contribuímos para que vizinhos ou conhecidos consigam manter os seus negócios, apoiamos a manutenção de empregos e até ajudamos a manter o bairro vivo e seguro, ao evitar a sua decadência e afastamento das pessoas em direção a outros locais com maior oferta de serviços.

Mantém a originalidade dos lugares

Apoiar o que é local impede que o global se imponha, sendo assim mais fácil manter a funcionar os pequenos negócios antigos – como as mercearias, livrarias, padarias, ourivesarias, entre outros – nas suas instalações originais, e até preservar a traça dos edifícios.

Desta forma, é possível assegurar que locais considerados icónicos sobrevivam, o que permite que as pessoas tenham experiências (de consumo e não só) totalmente diferentes das que estão disponíveis nas grandes superfícies globalizadas.

Comprar local 2.0

Sim, a forma como compramos tem vindo a mudar drasticamente nos últimos anos. E, ao facto de nos estarmos a tornar consumidores cada vez mais conscientes e atentos à ética de cada compra que fazemos, soma-se agora a experiência vivida durante a pandemia de Covid-19, que nos levou a virar as atenções também para o comércio online.

Segundo um estudo da Sibs Analytics, realizado em abril deste ano, o recurso ao digital para fazer compras cresceu durante a pandemia, em Portugal, tendo chegado aos 18% em abril de 2021, sendo que antes do novo coronavírus, o comércio online representava apenas 10% do total das compras eletrónicas.

Mas será que isto significa um travão ao objetivo de comprar localmente? Nada disso. Desde logo muitos comércios locais souberam adaptar-se com rapidez aos constrangimentos da pandemia e asseguraram de imediato uma resposta online, conseguindo juntar as duas tendências de consumo, o que poderia não ser óbvio à partida.

Assim, num futuro – que é já presente - comprar local significa também, em inúmeros casos, comprar online (estejamos nós a falar de fruta ou roupa, da livraria ou da padaria do bairro). E este movimento faz com que comprar local possa ser a opção número um de todos, sem quaisquer desculpas.