Pensar na origem da carne que come é o primeiro passo para mudar a sua alimentação e contribuir para reduzir a emissão de GEE.

Reduzir o consumo de carne é fundamental para proteger o planeta. A transição pode ser dolorosa, porque implica mudanças – para alguns radicais. Mas há boas notícias: há muitos portugueses dispostos a avançar. 

A transição pode ser dolorosa, porque implica mudanças — para alguns radicais. Mas há boas notícias: há muitos portugueses dispostos a avançar. Um estudo feito em nove países no início do ano pela WWF, mostra que, 83% dos portugueses sabe que a escolha de alimentos sustentáveis é uma das chaves para resolver as alterações climáticas e que 65% prioriza a compra das quantidades certas para evitar o desperdício - valores acima da média dos restantes países.

Perante estes números, podemos achar que há um elefante na sala: como ficamos em relação à carne? O aumento da sua produção está identificado como um dos grandes impulsionadores das alterações climáticas e, por vezes, parece que as questões culturais se intrometem na mudança. Mas os dados são claros: nos países ricos é preciso comer menos carne.

Portugal segue o mau exemplo mundial. Sara Moreno Pires, diretora executiva da ONG internacional Common Home of Humanity, cita o estudo implementado por esta organização sobre a pegada ecológica nacional: 29% da nossa pegada ecológica está ligada à alimentação. “Somos o pior país do mediterrâneo neste aspeto”, avisa. No total, a carne representa 6,5% da pegada ecológica portuguesa — sendo este consumo dependente, em grande parte, da importação.

O apetite carnívoro tem crescido nas últimas décadas e hoje, a Organização para Alimentação das Nações Unidas (FAO) estima que 26% da superfície terrestre seja pastagem e que 80% das terras agrícolas no mundo tenham como objetivo a produção de rações para animais.

Isto é particularmente visível, por exemplo, no Brasil, onde houve uma seleção genética da soja nas últimas décadas para a tornar mais eficiente e converter vida selvagem em campos de cultivo. Essa soja é, em boa parte, usada para alimentação de animais. Em 2019, a Amazónia já registava um desmatamento de 17% e, segundo um relatório do brasileiro Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), este fenómeno aumentou 34% durante o ano de 2020.

Esta é uma das razões para estar atento aos rótulos e para estudar a proveniência da carne consumida. É importante incentivar sistemas de pastoreio, em vez de produções intensivas, onde os animais estão confinados, ou escolher carne que vive de paisagens ancestrais, que não foram destruídas para se converterem a pastagem — como é exemplo o montado alentejano.

Na iniciativa “Achatar a Curva” da WWF, a organização expressa como estas questões são complexas: os países mais pobres, com níveis de subnutrição que precisam de ser revertidos, são simultaneamente aqueles em que se encontra a maior biodiversidade — e que contribuiriam significativamente para a perda de biodiversidade se mais campos fossem convertidos em produções agrícolas.

Ao problema da perda de biodiversidade, soma-se o problema das emissões de carbono e metano — dois gases de efeito estufa (GEE) libertados em grandes quantidades pelos animais. No total, o sistema agroalimentar é responsável por mais de um quarto destas emissões — estando apenas um terço desse valor relacionado com o transporte e embalamento.

Neste capítulo, há outros números que podem ser expressivos. A FAO estima que 14,5% das emissões de GEE seja da responsabilidade da indústria da carne, leite e ovos. E destes, mais de 40% estão associados aos gases libertados pela digestão dos animais e pela decomposição do estrume.

Está a comer de mais — em geral?

É urgente diminuir — por razões ambientais e de saúde — a quantidade de alimentos ingeridos nos países ricos que sofrem hoje com a epidemia da obesidade. Um terço das pessoas no mundo tem excesso de peso e a quantidade de pessoas com excesso de peso é cinco vezes superior nos países desenvolvidos. Segundo o INE, os portugueses consomem quatro vezes mais carne e peixe do que deveriam para terem uma dieta nutricionalmente equilibrada. E a maior quantidade diária recai sobre a carne.

Um estudo feito por Oxford e publicado em outubro de 2018 na Nature explica que, nos países ocidentais, cada pessoa teria de reduzir o seu consumo de carne de porco em 90%, e o de vaca em 90% para limitar o aquecimento global.

Já pensou em ser flexitariano?

O nome está na moda em restaurantes, livros, por toda a internet. Onde a dicção impõe respeito, a definição facilita. A dieta flexitariana é maioritariamente vegetal — o peixe e a carne são exceções e, para muitos, não estão presentes sequer no dia-a-dia. É um pouco como a dieta mediterrânica que, segundo o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, apenas 26% dos portugueses respeitam.

Vale frisar que a dieta mediterrânica, património cultural imaterial da humanidade, é aceite como a forma mais saudável de comer e apoia-se sobretudo na frugalidade, nos vegetais e cereais.

Relatórios como o da ANP/ WWF não comparam a dieta mediterrânica com a atual (ou com a vegetariana e vegana) — mas comparam com a dieta flexitariana. E apontam esse como o caminho a seguir nos países ocidentais.

“Para conseguirmos captar as pessoas para esta causa, não podemos tornar isto impossível. Deve ser uma visão otimista e a que podemos aderir facilmente. Temos de ter a preocupação de reduzir o consumo: esta é a mensagem a passar, para uma transição mais gradual”, afirma Sara.

O que é isso do corte menos nobre do animal?

Um terço da comida produzida em todo o mundo é desperdiçada — nas nossas casas, mas também pelo sistema produtivo. Se não compramos e comemos as vísceras da vaca, por exemplo, a indústria assume que não é rentável envolver mais recursos na sua preparação e transporte para a comercialização. Portanto, acaba por descartá-las ou entregá-las para a produção de farinhas e rações animais.

Estas partes dos animais também estiveram nos campos a consumir recursos do planeta e a libertar GEE — é um grande preço a pagar colocá-los no lixo. É importante tornar partes menos consumidas em partes nobres e a única forma de o fazer é consumi-las. Desperdiçar esta carne é um problema ambiental e ético.

“Há aqui um papel da educação alimentar e da inovação das empresas. É preciso criar valor naquilo que o mercado não está a reconhecer valor. Foi o que aconteceu com a bolota ou com a alfarroba”, exemplifica Sara Moreno Pires.

Estes ingredientes populares ganharam novas aplicações e entraram no gosto na indústria alimentar nos últimos anos. Sara acredita que pode acontecer o mesmo com as partes menos consumidas dos animais.

De onde vem a carne que come?

O problema da produção alimentar e das mudanças alimentares verifica-se a nível nacional, segundo a ANP/WWF. É importante notar que não há, nas questões da produção, uma verdade mundial absoluta.

As produções têm impactos mais ou menos negativos consoante a zona em que se localizam. Por isto, é importante analisar caso a caso e escolher produções pequenas e locais — não só evitamos a pegada carbónica associada à circulação mundial dos alimentos, como se desincentivam as produções em massa, mantidas com o objetivo de alimentar o mundo. Deixamos-lhe alguns nomes de produtores nacionais com preocupações ecológicas.

Porcus Natura

A paisagem da Porcus Natura é o montado típico alentejano — sem mais nem menos. Sobretudo sem mais: sem químicos ou rações industriais adicionadas e também sem porcos em demasia. Há tanto espaço para todos, que o mais natural é não encontrá-los se a visita for rápida.

Estão sempre a passar de campo para campo para não gastarem os solos. Alimentam-se primeiro aqui, depois ali e, no entretanto, a pastagem essencial à sua alimentação vai crescendo. Eles próprios contribuem para a saúde do terreno — remexem-no e adubam-no. Esta é a ideia de agricultura regenerativa em que os animais estão envolvidos na manutenção do terreno.

Carne d’Erva

Junto ao Tejo, perto de Vila Franca de Xira, João Testos Pereira garante que a sua produção de gado bovino é neutra em carbono. Quer, aliás, que nasça em Portugal, uma organização que o possa auditar e certificar. É engenheiro zootécnico e um dos fundadores da Carne d’Erva, uma produção com 100 hectares e 160 vacas e em que a cobertura vegetal do terreno (que alimenta os animais) é “biodiversa”.

Um hectare desta pastagem, que contém folhas, leguminosas e raízes, é capaz de armazenar o dióxido de carbono de várias vacas, segundo o produtor. Aqui são 1,6 cabeças por hectare. É, pelo menos, um rácio espaçoso.

Talho das Manas

Este talho é o primeiro certificado para celíacos pela Associação Portuguesa de Celíacos (APC) e essa é só mais uma das vantagens. A sua preocupação com os modelos de produção da carne é grande e, por isso, as quatro irmãs à frente deste negócio de família em Torres Vedras (faz entregas em outras zonas), só vendem carne biológica de pequenos produtores nacionais.

Isto significa que as galinhas, os porcos ou os bovinos que vendem ao público são criados com espaço, tempo e respeito. São as donas do talho que preparam, algumas peças que ajudam num dia-a-dia corrido — desde rolos de carne a hambúrgueres ou enchidos caseiros. A prova de que estes pratos processados podem ter alta qualidade.

Herdade do Freixo do Meio

A loja (online ou física) desta produção perto de Montemor-o-Novo é variada. Tem legumes e toda a espécie de frutas, ovos, galinhas e todos os cortes do porco. Porque como bem sabe o povo ibérico, do porco come-se tudo.

A loja da Herdade do Freixo do Meio é variada porque a sua produção é variada: é uma agrofloresta. As produções agrícola, de frutas e pecuária complementam-se e regulam-se para o equilíbrio deste espaço e, assim, não é preciso recorrer a fertilizantes ou pesticidas químicos e muito menos a rações industriais. A produção de animais não é, portanto, intensiva e há até um porco de estimação: o Bacon.

Quinta Galeana

Na Lourinhã, já se criavam bovinos em regime extensivo e, em 2019, abriu-se um novo caminho para esta produção: a criação de galinhas caseiras e ovos biológicos.

Há cinco hectares da quinta para as galinhas correrem, bicarem o chão e arriscarem umas tentativas de voos durante o dia. À noite, recolhem ao galinheiro coberto. E para os que querem comprovar ou aproveitar o sossego deste largo campo, a Quinta Galeana tem ainda uma casa para turismo rural.